Acordou sem muita animação naquela manhã… aquele ano letivo que prometera ser tão interessante estava se tornando numa grande decepção. Pedira, implorara para a mãe e o pai lhe matricular no colégio de freiras porque havia lido um livro contando a história da vida dos santos e havia achado tudo tão bonito, especialmente a parte sobre algumas freiras que havia enfiado na cabeça que queria ser freira quando crescesse. O pai achara aquilo estranho, a mãe balançara a cabeça de um lado para o outro, rira e falara: Deixa ela… é fase! Foi por causa daquele livro que ela leu… daqui a pouco isso passa!
Finalmente eles haviam assentido e ela ficara extremamente feliz. Infelizmente já passara meses e ela em vez de se inspirar cada vez mais, estava cada vez mais decepcionada com o que via, ouvia e aprendia. Aquela manhã estava especialmente deprimida, era aula de religião, e a aula ia ser na capela do colégio. E tudo o que ela tinha aprendido até agora eram apenas os procedimentos e etiquetas dos dogmas religiosos. Como entrar na igreja, como se sentar, como fazer o sinal da cruz corretamente, como sair da igreja… ai e isso era tão chato!
Não era isso que ela queria aprender. Ela queria aprender mais sobre Deus, os anjos e os santos e os milagres. Fizeram fila na porta da sala de aula, onde deixaram as mochilas e foram caminhando ordenadamente para a capela. Chegando lá… entraram como haviam sido ensinados. O cheiro característico da capela invadindo-lhes as narinas. Aquele cheiro de velas, incenso e poeira das pesadas cortinas de veludo vermelho que impediam a entrada do sol, escondia os vitrais coloridos e deixava o ambiente mais sombrio, mais paranormal … mais respeitoso, afinal era a casa de Deus.
Secretamente ela desconfiava que as cortinas que tapavam os vitrais coloridos foram colocadas ali estrategicamente pelas freiras para que as cores vivas e alegres não distraíssem as crianças durante as aulas de religião. Ela mesma, adorava ficar observando as cenas bíblicas reproduzidas nos vitrais das diversas igrejas que já visitara. Podia ficar horas e horas admirando essas imagens.
Sentaram-se nas três primeiras fileiras de bancos da capela. Lindos bancos envernizados de mogno. O verniz fazia com que os bancos brilhassem. Na penumbra da capela iluminada pela vela e por algumas luzes do altar eles eram quase negros. Como sempre ela se sentara em frente ao santo que dava nome ao colégio enquanto aguardava a aula começar. São José era o santo. Diversas vezes, na hora do lanche, enquanto ela lanchava sozinha ela se sentava aos pés da grande imagem de São José que ficava no pátio do colégio e ficava observando o movimento das crianças pulando, correndo e brincando. Ele era quase como um amigo, meio careca, de barba, os cabelos ralos não muito lisos, os olhos tristes, sofridos. Lá estava ele… sempre em pé, com uma mão segurando o menino Jesus e com a outra mão um cajado de onde florescia um lírio branco…
Hoje vamos falar do altar, dos elementos do altar. A voz da freira deu um basta nos seus devaneios. Todos os elementos do altar tem a sua simbologia, seu significado. Enfim algo interessante! Ela se empertigou no banco, ficando mais atenta. A freira pôs-se a explicar cada item do altar, sua importância, até então era a aula mais interessante que ela assistira dentro da capela. Tudo tinha o seu porque, sua razão! Muita gente frequentava a missa todas as manhãs e não sabia nada disso.
Então a freira pôs se a explicar sobre o sacrário, que era uma espécie de cofre que ficava no altar onde eram guardadas as hóstias consagradas. Ao lado do sacrário tinha uma pequena luz vermelha acesa… e então a freira disse: ‘Quando essa luz está acesa é porque Deus está presente na igreja’.
Ela arregalou os olhos, estupefata… a luz estava acesa. Deus estava na igreja, sim! Ele estava ali, naquele lugar, naquele momento. Aquela pequena luz vermelha acesa era uma prova incontestável de que ele existia e estava ali ouvindo as nossas preces! Aquilo era incrível!
Na pequena cabeça de uma criança de nove anos, ela entendeu o que a freira explicava como um milagre imensurável. Para ela, o poder de Deus saia do céu, entrava naquela pequena caixinha dourada e então a luz se ascendia! A fé inocente de uma criança. Passou o restante da aula atônita, maravilhada com o que tinha acabado de testemunhar.
Então é isso crianças… por hoje é só. Aprendemos bastante coisas não é? Guardem suas anotações e estudem elas em casa. Vamos andando porque vcs tem aula de canto agora. Todos os alunos se ergueram em ordem, e em silêncio e foram, aos pares, saindo da capela e formando uma fila no corredor do lado de fora. Porque tinha se sentado na primeira fila, no canto… ela foi a última a sair da capela. Na verdade a penúltima, a última era a freira… que ficou para trás fechando todas as coisas e apagando as luzes da capela…
Ainda maravilhada, ela ficou observando a freira cuidar das coisas, arrumar a casa de Deus… e então irmã Juliana – esse era o nome da freira – colocou a mão atrás de uma cortina, apagou as luzes laterais, as luzes da parte de trás da capela e quando ela foi apagar as luzes da parte frontal ela… Apagou a luz ao lado do sacrário. A menina arregalou os olhos. Ela tinha acabado de APAGAR DEUS!!!!
Percebendo o engano, mas não o rebuliço que ela causara dentro daquela pequena alma, ela acendeu novamente a luz vermelha e apagou a luz da capela, que ficou na penumbra. A pequena luz vermelha brilhando na escuridão.
Os olhos da menina não conseguiam abandonar a imagem da luz vermelha. A decepção transbordando por eles em forma de lágrimas. O que isso queria dizer? Era tudo um engano? Deus nunca havia estado naquele lugar? O pequeno coração estava partido, sentindo-se traído, abandonado. E naquela triste e fria tarde de outono além da luz do sacrário uma pequena luz de fé também se apagou ali naquela alma.