A Quermesse continuaria durante todo o mês… pensou Manuel, espreguiçando-se no sol depois de se empanturrar com restos de comida que achara. Ele esperava sinceramente que o batalhão do seu dono ficasse na cidade até o final das festividades. Ele amava quermesses.
A noite nem tinha começado e ele já estava de barriga tão cheia, que sua primeira inclinação era se deitar numa sombra qualquer e tirar um longo cochilo. E era justamente isso que ele ia fazer então… algumas pessoas se sentaram em volta da grande fogueira e começaram a tocar algumas músicas… ele sentou-se onde estava mesmo e começou a ouvir, uma canção e então outra. Quando a segunda canção terminava ele levantou os olhos para um telhado vizinho e a viu… Morena… O violeiro então começou a dedilhar a canção…
Índia, seus cabelos nos ombros caídos,
Negros como a noite que não tem luar;
Seus lábios de rosa para mim sorrindo
E a doce meiguice desse seu olhar.
E ele de repente se viu de olhos grudados na visão de Morena, serena e superior assistindo a tudo que se passava ao redor… impassível como uma estátua. Tanto quanto os seus ouvidos estavam grudados àquela melodia, ao mesmo tempo bonita mas também triste. Sorriu e adiantou-se, saindo das sombras para que ela pudesse vê-lo. Morena imediatamente o avistou e ele saltitante e dançarino pôs-se a se exibir para ela cantando enquanto escalava a casa para alcançar o telhado onde ela estava:
Índia da pele morena, sua boca pequena eu quero beijar.
Índia, sangue tupi, tens o cheiro da flor.
Vem, que eu quero te dar todo meu grande amor!
Ela, com os olhos arregalados com tamanha audácia observou quando ele alcançou o telhado e começou a dançar em volta dela… ainda cantando… a voz não era das melhores, ela pensou… mas o atrevimento da criatura chegava a ser, engraçado… E ela não foi muito bem sucedida em esconder o meio sorriso.
Quando eu for embora para bem distante
E chegar a hora de dizer adeus,
Fica nos meus braços só mais um instante;
Deixa os meus lábios se unirem aos seus.
Ele olhou-a bem nos olhos… e realmente ficou triste por dentro pensando que… em breve sim, seu dono ia deixar a cidade e ele iria em breve embora… talvez para bem distante. E não poderia mais ver a linda Morena. Ela percebe a singular mudança no olhar dele e ficou curiosa… e então deixou-o se aproximar mais e sentar-se ao seu lado enquanto o violeiro terminava a canção…
Índia, levarei saudade da felicidade que você me deu.
Índia, a sua imagem sempre comigo vai
Dentro do meu coração, flor do meu Paraguai.
Boa noite linda morena… ele disse olhando-a nos olhos. Boa noite… ela respondeu com um sorriso.
Continua…