Nós gatos… A proibição

Manuel era a felicidade em forma pessoa (ou melhor –  em forma de gato). Estava namorando a linda Morena, nunca o mundo lhe parecera tão belo, tão perfeito. Nunca uma cidadezinha perdida no interior deste país lhe parecera o melhor lugar do mundo. E aquela cidadezinha era o melhor lugar do mundo pelo simples motivo que era naquela cidadezinha que morava sua Morena.

Ele andava pela cidade todo Pimpão, peito estufado, o rabo em pé… todo empinado. O pelo antes branquinho estava todo pintado de lama, antes lustroso e liso agora estava cheio de carrapicho de tanto se enfiar no meio do mato ao lado da sua Morena perseguindo pequenos animais típicos do local. Fazia dias e dias que não via seu humano, tamanho mergulho que dera naquela paixão. Enquanto corria pelo campo… amarelinho… da plantação de trigo pensou no seu humano e como ele acharia aquilo divertido se pudesse correr com ele naquele lugar. O sol poente batia nos trigal e tudo ficava ainda mais dourado. E o cheiro invadia o ar e impregnava nas suas narinas e na sua pelagem.

Estou com saudades do meu humano – disse ele no comecinho daquela noite para Morena – Acho que vou vê-lo hoje à noite. Faça isso… Família é importante. Disse Morena séria. Você tem que cuidar do seu humano, certificar-se que ele está bem, está seguro. Ele concordou com um sorriso. Esfregou a cabeça nela em despedida e partiu para o local onde o seu humano estava alojado. No caminho primeiro ele ficou alegre. Estava mesmo com saudades daquele humano danado. Ele o veria chegar, e faria festa e perguntaria, onde você andou seu peralta? Ia aninha-lo no seu peito e coçar sua barriga. Talvez ele ganhasse umas sardinhas. Se tivesse sorte um pote de atum, eram seus favoritos.

Mas no meio do caminho, ele viu os caminhões indo e vindo, entrando e saindo. Então ele se lembrou que, aquele lugar, como tantos outros que visitara com ele, era temporário… chegou no lugar, foi procurar seu humano, já estava desolado com a possibilidade de ter que ir embora e nunca, nunca mais ver a sua Morena.  Era seu primeiro amor. E o primeiro amor, diziam, tinha dessas coisas de abalar tudo e mudar todas as coisas.

– Manuel!!! Rapaz onde você andou??? – o seu humano o avistara quando ele entrava no quarto conjunto, abandonara o jogo de dominós e correra até ele e o apanhara. – Eu estava morrendo de preocupação! Achei que alguém tinha roubado você ou que tivesse sofrido algum acidente. – Apontou o dedo para ele. – Nunca mais faça isso!!! Nada de sumir assim!!! Você está todo mulambento! Olha esse pelo cheio de carrapicho! – disse em tom de desaprovação. – Ai ai ai, vai dar um trabalho danado limpar você seu porcão!


– Onde você vai rapaz??? Olha o jogo!!! algum companheiro gritou da mesa de jogo enquanto ele se afastava.

– Vou dar um jeito neste molambo, olha a só! Aposto que tá cheio de carrapatos também. Por Deus se eu tiver que gastar meu soldo em remédio pra carrapato pra você não vai ser bonito. Arrumo uma gaiola e tranco você nela até a gente ter que ir embora. – Manuel ficou deprimido de verdade. Seu humano não ficara feliz em vê-lo, ficara era bravo com o estado deplorável que ele se encontrava. E ele começou a falar e falar e falar sem parar enquanto executava a difícil tarefa de deixar ele limpinho e com o pelo branco como a neve.

– Onde você andou hein Manequinho? – perguntou então mais calmo. – Arrumou uma namorada foi??? – Manuel miou baixinho, como quem dizia… é… foi isso. – Foi isso mesmo né seu pilantra??? Danado!!! Safadão!!! Só espero que não tenha sido nenhuma vira-latas sem pedigree. Você é um príncipe!!! Tem que namorar princesa!!! Como assim??? Manuel ficou miando e olhando longamente para seu humano. Morena era uma princesa… quanto a isso ele não precisava se preocupar.

– E nessa cidadezinha onde Judas Perdeu as botas não tem princesa nenhuma digna do meu Manequinho. O quê????!!! – Só tem umas gatas vira-latas que não servem para nada a não ser comer ratos e juntar pulgas. E você está proibido de enroscar com essas gatas da ralé! Manuel ficou revoltado, começou se remexer e dar show dentro da bacia onde o seu dono estava. – Ei o que deu em você seu pirado! Manuel pulou e esperneou, arranhou o humano e todo ensaboado como estava fugiu da banheira improvisada.- Volte aqui seu doido! Eu nem terminei de dar banho em você! Vai ficar todo sujo novamente!!!

Não!!! Não volto nunca!!! Ninguém vai me proibir de amar minha Morena!!! Eu fujo!!! Fujo com ela para longe de tudo e de todos!!! Manuel pôs se a correr loucamente para longe dos gritos do seu humano. Ninguém ia lhe dizer que ele não podia ficar perto de Morena, que ela era vira-latas. Ninguém ia proibir nada!!! Correu, correu, correu… ia procurar Morena, os dois iam fugir juntos!

Continua…

Nós gatos… O Gato Branco

Manuel estava encolhido dentro do bolso da jaqueta do dono. Fazia um friozinho de madrugada enquanto eles cruzavam as estradas interioranas. O batalhão do seu dono passaria um tempo numa pequena cidade do interior e ele iria junto. O pessoal estava acostumado com o gato… Que o soltado encontrará jogado numa caixa de sapatos. Resgatou o gato, cuidou dele e ele meio que virou o mascote do pessoal.

Bem cuidado ele ficou, grande, gordo, pelo longo, branco e brilhante, com exceção das patas das pontas das orelhas e do focinho que eram pretos. Ele tinha olhos azuis entre penetrantes e brincalhões.

Manuel gostava de desfilar todo imponente pelo pelotão, de ganhar petiscos dos soltados, gostava também de se esgueirar pelo mato alto e caçar ratos, de se arrastar sorrateiro e imaginar que era um leão na selva. Ouvira certa vez os soldados dizendo que leões não eram nada mais que gatos muito grandes e muito fortes. Se imaginava parente desses felinos e fingia ser tão poderoso quanto eles enquanto espreitava suas presas. Ele gostava de correr pelos campos abertos, e gostava de passear de carona na jaqueta do seu dono.

Nos finais de semana ele vestia seu uniforme mais bonito, lustrava as botas, limpava a motocicleta antiga que montara com peças que fora comprando aos poucos e pegava o gato colocava nele um capacete de brinquedo que era uma cópia do seu capacete, enfiava ele dentro da jaqueta, abotoava bem até que apenas a cabeça de Manuel, protegida pelo capacete e enfeitada pelos olhos azuis, ficava para fora… Então os dois pegavam a estrada e iam passear na cidade…

Era uma vida divertida, cheia de novos cenários, novas pessoas, novas aventuras. E Manuel nunca se cansava dessa vida. Nunca… até um certo dia, uma certa cidadezinha, um certo telhado e uma certa gata chamada… Morena.

Aquele dia começara bem comum na verdade… Ele acordara bem cedo, com o raiar do sol, apesar de gostar de ficar deitado a manhã toda, curtindo uma preguiça. Era um novo dia, uma nova cidade… coisas novas para descobrir sempre o deixavam animado. Então ele pulou cedo da cama e saiu explorando…. era a época das quermesses, ele ficou zanzando pela praça principal. Subiu em cima do coreto e ficou observando as pessoas andando para cima e para baixo apressadas ajeitando tudo para o começo da festa com o cair da tardinha.

Subiu na torre da igreja, o lugar mais alto e de lá observou toda a cidade. Muitos lugares para explorar… Manuel passeou e passeou e passeou o dia todo, caçou ratos, comeu petiscos que os moradores da cidade deram para ele, ganhou carinho das crianças, apostou corrida com os cachorros… viu a tardinha chegando. Viu a festa começando… as pessoas dançando. Deu uma longa volta pela praça… evitando os cachorros e resolveu encher a pança de petiscos mais uma vez. Agora que a festa estava rolando com tudo havia ainda mais gostosuras para experimentar.

Depois do jantar acho que era hora de voltar para o acampamento, para o seu dono. Sentou de novo no alto da torre da igreja e tomou um caprichado e demorado banho de língua. Tomou o caminho de volta. Os grandes olhos azuis o levando pelo caminho escuro, pelo caminho de volta… As pessoas então começaram a se reunir em volta de uma fogueira imensa e a cantar canções.

Ele parou um instante para observar o violeiro dedilhando o instrumento e foi então que ele a viu. Rainha do seu telhado, queixo em pé, banhada pela luz da lua e pelo clarão da fogueira. Não sabia o nome dela então, mas naquele instante achou que ele era a visão mais linda que já tivera em toda sua curta vida de gato. Escalou silenciosamente o telhado e postou-se ao lado dela… prudentemente resolveu manter uma certa distância.

“Bela canção não acha?” ele disse e percebeu que a pegara desprevenida pois ela virou-se abruptamente e o encarou. Depois o mediu de cima a baixo com olhos altivos e ele achou aquilo divertido. A altivez da rainha da cidadezinha pequena, a rainha do telhado… riu-se por dentro. Esperou uma resposta que não veio por longos segundos e então ouviu a voz suave soar em tom autoritário: “Quem é você?” Ela perguntou, olhar desafiador. “O que faz no meu telhado sem ser convidado?”.

“Estava passando, ouvi a música, parei para ouvir… Vi você de lá de baixo e… A achei bonita… Resolvi subir, conversar, conhecê-la melhor. Qual seu nome?”- disse ele. “Eu lhe perguntei primeiro… Qual o seu nome?” Disse ela levantando-se e andando em volta dele… cercando-o… Mostrando quem realmente mandava no território.

“Manuel” disse ele sem se abalar, sorrindo ainda. Ergueu-se e fez uma cortesia exagerada. “Meu nome é Manuel cara senhorita. Meu dono é o soldado Alfredo, do primeiro regimento da aeronáutica que está de passagem pela cidade. Veja…” Disse ele apontando para a festa acontecendo. Em volta da fogueira diversas pessoas dançavam. Uma série de rapazes em uniformes se espalhavam entre os rostos conhecidos da cidade. “Eu sempre viajo com ele… Já estive em muitos lugares. Conheci quase o mundo todo!” Disse erguendo a cabeça com altivez.

Morena manteve-se inabalável. “Novamente… Não me lembro de te-lo convidado. Você é um intruso. Deve partir agora… Não é bem-vindo!” Ele percebeu que ela lançara um olhar ao galinheiro. Ele adorava correr atrás das galinhas e assusta-las de vez em quando, até mesmo de comer uma galinha gorda… Mas estava de barria cheia. Riu-se da preocupação dela.

“Está com medo que eu coma todas as suas galinhas?” Ele riu alto, gargalhou. “Não se preocupe, estou de barriga bem cheia. E além do mais sou um gato da cidade, eu como atum e ração… Não gosto de galinha, fedorenta, crua, e cheia de penas que ainda por cima eu tenho que correr atrás para pegar.” – mentiu ele, fez uma careta e se levantou. Se não sou bem-vindo devo partir. Sou um cavalheiro. Inclinou a cabeça em reverência. “E só voltarei se um dia for convidado não se preocupe” saltou graciosamente do telhado caindo em pé. Deu uns passos em direção à estrada. Mas antes voltou-se “Posso ao menos saber seu nome antes de partir? Ou devo apenas continuar chamando-a de senhorita?”

“Morena” disse ela simplesmente tornando a sentar-se no topo do telhado… Dona do território. “Morena!” Tornou Manuel sorrindo de lado, entortando os bigodes. “Eu sabia que tinha que ser um nome lindo… Tal a dona.” Afastou-se lentamente, até a sombra do prédio… de lá, parou um instante ainda observando a Morena. Suspirou… e depois foi para o acampamento dos soldados. Sabia que ele não estraria lá.. mas estava cansado… preguiçoso. Ia se aninhar na mochila dele e cochilar… sonhando com a Morena.

Fim

Continua…

Nós gatos… A Gata morena

Era uma vez uma gata chamada Morena. Morena não era uma gata de rua. Morena era uma gatinha de família. Porém de família pobre. Morena era uma gata muito linda, com o pelo todo marrom. Um marrom com creme tão reluzente que parecia dourado de vez em quando.  

Morena morava numa cidade pequena, numa cidade do interior com a sua família que a amava muito e morena ajudava muito sua família. Morena era uma gata trabalhadora. Ela caçava roedores e pequenos animais que entravam em casa, que tentavam invadir a pequena horta que ficava no jardim… 

Tinha sempre muita coisa que fazer o dia todo… Corria para cima e para baixo executando a sua tarefa. E no final do dia, depois de se limpar dos carrapichos que teimavam em grudar no seu brilhoso pelo durante as correrias que fazia durante o dia, ela se aninhava perto do fogão de lenha na cozinha esperando pelo seu jantar.

Sua dona sempre… Depois de trabalhar muito também durante o dia, se ocupava em preparar o jantar para toda a família. Assim que ela preparava tudo, ela separava uma pequena quantia e colocava na tigelinha vermelha que tinha o nome da gata escrito. Enquanto os donos jantavam, morena atacava sua tigelinha embaixo da mesa. 

Depois do jantar Morena se aninhava aos pés dos donos na sala, perto do fogareiro nas noites frias ou então perto da porta onde corria uma brisa nas noites de verão pra ouvir as conversas dos donos ou então… Pra ouvir o velho rádio da família. O pai gostava de ouvir o noticiário. A mãe as radionovelas e os filhos as musicas de Élvis.

Era uma vida simples e Morena era feliz. Mas as veze Morena subia no telhado da casa e mirava o horizonte e espiando assim o sol nascer, ou o sol se por, ou a lua cheia subindo alto na colina ela imaginava… O que havia além da cerca da pequena propriedade rural da sua família? Que aventuras poderiam haver naquele mundão tão grande.

Mas apesar de imaginar como seria lá fora, Morena não tinha vontade de abandonar seu mundinho, sua família e a sua vidinha conhecida. Era feliz no seu cantinho do mundo. Sentia às vezes, apenas às vezes… Sentia que faltava alguma coisa na sua vida. Mas… Todo mundo sente isso de vez em quando.

Os dias de Morena iam assim passando lentamente… Preguiçosamente… Mas felizes. E então, chegou o mês de junho. Chegou uma das épocas do ano favoritas de Morena. A gata amava as festas Juninas, a animação e as comidas. 

Claro… Não podia ficar zanzando muito porque tinha medo das bombas e dos rojões. E tinham também os moleques peraltas que sempre tinham ideias malvadas. Haviam moleques que achavam divertido amarrar bombinhas no rabo dos animais, ascender e deixar o animal se debater em desespero. Morena já vira acontecer. Por isso gostava de ficar em cima do telhado da sua casa… A salvo. Ou aninhada no colo de um dos seus donos, onde ninguém se atreveria a amarrar nada na sua cauda.

Numa noite de festa, morena espiava as danças de cima do telhado. O rabo balançando de um lado para o outro acompanhando as baladas tocadas pelos violeiros. Estava distraída nesta doce apreciação quando uma voz soou ao seu lado a assuntando. “Bela canção não acha?”. Morena virou-se abruptamente e deu de cara com um gato branco, de pelagem longa, selvagem e de pálidos olhos azuis que a mirava com um ar de divertimento.

Morena não respondeu nada, apenas observou-o imaginando quem ele seria, de onde viera e… Como subira no telhado e se acomodara ao lado dela sem que ela a tivesse ouvido. “Quem é você?” Ela perguntou, olhar desafiador. “O que faz no meu telhado sem ser convidado?”.

O Gato branco apenas sorriu, lambeu lentamente a pata. “Estava passando, ouvi a música, parei para ouvir… Vi você de lá de baixo e… A achei bonita… Resolvi subir, conversar, conhecê-la melhor. Qual seu nome?”- “Eu lhe perguntei primeiro… Qual o seu nome?” Disse ela levantando-se e cercando-o… Mostrando quem realmente mandava no território.

“Manuel” disse ele sem se abalar, sorrindo ainda. Ergueu-se e fez uma cortesia exagerada. “Meu nome é Manuel cara senhorita. Meu dono é o soldado Alfredo, do primeiro regimento da aeronáutica que está de passagem pela cidade. Veja…” Disse ele apontando para a festa acontecendo. Em volta da fogueira diversas pessoas dançavam. Uma série de rapazes em uniformes se espalhavam entre os rostos conhecidos da cidade. “Eu sempre viajo com ele… Já estive em muitos lugares. Conheci quase o mundo todo!” Disse erguendo a cabeça com altivez.

Morena manteve-se inabalável.”Novamente… Não me lembro de te-lo convidado. Você é um intruso. Deve partir agora… Não é bem-vindo!” Disse ela lançando um olhar ao galinheiro. Ela mesma gostava de correr atrás das galinhas e assusta-las de vez em quando mas nunca machucará nenhuma, ou quebrara os ovos, ou matará os pintinhos. Sabia o quanto os bichos eram importantes para a família. E não iria cair na lábia daquele gato estranho. Ficar distraída para que ele fosse atacar o galinheiro.

“Está com medo que eu coma todas as suas galinhas?” Ele riu alto, gargalhou.”Não se preocupe, estou de barriga bem cheia. E além do mais sou um gato da cidade, eu como atum e ração… Não gosto de galinha, fedorenta, crua, e cheia de penas que ainda por cima eu tenho que correr atrás para pegar.” Ele fez uma careta e se levantou. Se não sou bem-vindo devo partir. Sou um cavalheiro. Inclinou a cabeça em reverência.”E só voltarei se um dia for convidado não se preocupe” saltou graciosamente do telhado caindo em pé. Deu uns passos em direção à estrada. Mas antes voltou-se “Posso ao menos saber seu nome antes de partir? Ou devo apenas continuar chamando-a de senhorita?”

“Morena” disse ela simplesmente tornando a sentar-se no topo do telhado… Dona do território. “Morena!” Tornou Manuel sorrindo de lado, entortando os bigodes. “Eu sabia que tinha que ser um nome lindo… Tal a dona.” E com mais uma reverência sumiu nas sombras.

Fim

Continua… numa próxima postagem qualquer.