Ele estava cansado… Não sabia dizer quanto tempo se passara desde a última vez que ficara consciente. Se lembrava dos sonhos entretanto, dos pesadelos para ser mais específico.
A garganta doía… como se tivesse gritado por dias e dias… e ele estava com o rosto e os braços e o torço machucados… marcas horríveis e sangrentas eque pareciam ser de… arranhões. Ergueu as mãos que pareciam pertencer a um ancião… magras, enrugadas, pálidas, trêmulas…
“Olá, Artur.” um homem alto vestido de branco entrou onde ele estava, olhou ao redor, supôs que fosse um consultório. “Eu sou o seu médico… meu nome é Paulo.” – disse olhando fixamente para ele. Então este deve ser meu médico… pensou… mais um médico, que diferença isso vai fazer. “Depois de avaliar seu caso com cuidado eu achei melhor nós mudarmos um pouquinho o seu tratamento… espero ter resultados melhores assim…” sorriu.
Já passei por tantos ‘métodos de tratamento’. Queria dizer para o jovem médico que não faria diferença. Como explicar para um homem da ciência que ele não era louco? Quantas vezes já havia tentado… perdera a conta. “você está entendendo o que eu estou dizendo Artur?”. Abriu a boca para falar mas não saiu som nenhum… garganta muito seca, os lábios rachados…”A… A-a-água…” conseguiu falar, num som estrangulado. “Ahh sim… claro!” – encheu uma caneca de plástico de água que eu engoli rápido e me engasguei… “Vá com calma…” tomei toda a caneca. “M-m-mais…” ele me serviu outra caneca, mais outra quando eu pedi mais. “Melhor agora?” ele perguntou com um sorriso. Eu balancei a cabeça afirmativamente.
O que era ‘estar melhor’ na concepção dele? Eu não sabia o que era estar bem há tanto tempo. Pequenas coisas, como uma caneca de água fresca me pareciam coisas luxuosas. “Há quanto tempo estou aqui?” a pergunta saiu antes que eu pensasse direito nela, mas a voz saiu estranha… mal reconheci minha própria voz, minhas cordas vocais deviam estar piores do que eu imaginava.
“Há três meses… Seus pais o transferiram para cá porque acreditam que aqui você terá um tratamento melhor. Temos os melhores equipamentos, temos os melhores médicas e técnicas inovadoras…” ele ficou ouvindo o médico falando de coisas que não o interessavam.”Eles, não vieram… me ver??” perguntei interrompendo a falação dele. “Eles vieram há umas semanas mas você estava sedado… aconselhamos aos seus familiares a não fazerem visitas por enquanto, nesse período de adaptação.” Eu fiz apenas que sim com a cabeça… já imaginava isso. Não era a primeira vez que meus pais me mudavam de clínica. O que me espantava era eles ainda não terem desistido de mim…
Esse pensamento fez meus olhos se encherem de lágrimas. Eu que achei que não tinha mais lágrimas para chorar. Eles podiam simplesmente me largar neste lugar e simplesmente se darem por satisfeitos de não ter mais que lidar com aquele horror… mas não, eles ainda tentavam me ajudar… do modo deles claro. Eles não tinham ideia do quanto isto era importante para mim. “Não fique triste, você poderá ver seus familiares em breve. Estou certo disso.” disse com um sorriso apaziguador.
“Eu não sou louco doutor…” minha voz soou fracamente.”Claro que não. Não chamamos ninguém de louco aqui…” disse ele condescendente.”O senhor acredita no mal doutor?” eu ouvi minha própria voz ganhando forças, juntamente com meu medo. Mas meu medo não era, naquele momento, maior que a minha fúria, nem que a minha vontade de ser ouvido. “Acredita em demônios? Acredita no diabo?”.
O médico ficou um longo tempo me olhando…”Respeito todas as crenças. Mas como um homem da ciência devo dizer que sou bem cético quanto à existência de um… mundo espiritual.” Assenti lentamente… sentindo a raiva se transformar num misto de tristeza e angústia. “Então, o senhor não pode me ajudar doutor. Eu não sou doente… eu não sou louco. E-eu preciso de ajuda… mas n-não de ajuda médica.” eu já não conseguia impedir que as lágrimas corressem livremente pelo meu rosto, eu não sabia quanto tempo eu tinha ainda para tentar falar com aquele médico… esperando alguma humanidade, alguma piedade dele.
“E-eu preciso de um padre, u-um pastor, u-m rabino, um feiticeiro… um sacerdote de alguma espécie… alguém que acredite em mim e que me ajude. Que me liberte dessa coisa que me atormenta.” o médico sentou-se muito calmamente e ainda observando-o perguntou. “E o que é essa coisa que te atormenta?”.
“E-eu… n-não… n-não quero falar s-sobre isso… n-não quero, p-por favor.” novamente aquela sensação horrenda de não estar mais só entro do próprio corpo se apossava dele… seu tempo estava se esgotando. “Por favor doutor… ” ele se apressou em falar, as palavras se enroscando umas nas outras. “Por favor, não precisa acreditar em mim, apenas encontre uma pessoa que possa me ajudar, por favor eu imploro. Eu não tenho mais tempo… eu… não…” calou-se. De novo aquela sensação. Ele era apenas um espectador… ele podia ver tudo o que acontecia como quem assistia um filme. Incapaz entretanto de interagir.
O médico assistiu a transformação do paciente diante dos seus olhos. Num instante ele pareceu triste, de uma maneira quase trágica e então desesperado, apressado em dizer alguma coisa e então… com medo? Pânico! E então ele parou de falar, os olhos ficaram vazios e então as pupilas se dilataram… e ele cruzou as pernas, recostou-se na cadeira, as mãos postas sobre as coxas e sorriu. Um sorriso de desdém, um sorriso quase… malvado. Olhou o médico bem nos olhos e não disse mais nada.
O jovem médico então “Olha Arthur, eu sei que é algo complicado de lhe pedir, mas eu preciso que confie em mim. Vamos começar do zero certo? Eu eu tenho muita confiança que esse novo tratamento vai ajudar você. Você me disse que precisa de ajuda e é isso que eu estou fazendo… Mas, você precisa confiar em mim ok?”
O rapaz sentado então emitiu uma risada sinistra. “Ahhhh… a humanidade.” disse com voz rouca rindo novamente. Era um som acre, agoniante. O médico não sabia exatamente explicar porque, mas o incomodava aquele riso. E o tom da voz ligeiramente diferente… como se ecoasse… em algum outro lugar. “Não pode ajudá-lo… Ninguém pode… ele é meu. E vai se meu… PRA SEMPRE!”. Então todos os vidros do consultório, mais os vidros do corredor estilhaçaram-se em incontáveis pedacinhos… até mesmo as lentes dos óculos do médico… elas caíram espatifadas aos seus pés… ele olhou para baixo a tempo de vê-las caindo.. os tímpanos zunindo de leve pelo barulhão.
Quando tudo novamente era silêncio… ele ergueu novamente os olhos para o paciente, que agora não estava mais sentado na cadeira, mas em pé bem na sua frente… os olhos negros… o sorriso animalesco de soslaio… “Como… um homem da ciência explica isso??? Hum?” a voz horrenda fez um arrepio correr-lhe pela espinha…
Do lado de fora no corredor os enfermeiros se recuperavam do susto… “Meu Deus do céu o que foi isso??” alguém perguntou. “Estão todos bem??? Alguém se machucou?” outra pessoa perguntou. O enfermeiro e a enfermeira que haviam há algumas noites presenciado o grito do paciente, que agora estava com Doutor Paulo dentro do consultório se entreolharam. Ele fez o sinal da cruz três vezes… “Cada dia que passa esse lugar está mais estranho…” disse ele olhando para ela. “Se eu não precisasse tanto do emprego eu vou te contar viu…” Ela abriu a boca para dizer algo mas foi interrompida quando de dentro da sala todos puderam ouvir a voz do médico… “Ahhhhh meu Deus… Não!!! Não!!! NÃOOOOOOOO!!!
Continua…